Já me perguntaram várias vezes como reagiria se um dos meus filhos fosse homossexual. Só quem não me conhece realmente, faz uma pergunta deste género. Nada iria mudar…o amor que sinto pelos meus filhos sejam eles heterossexuais ou homossexuais será exatamente o mesmo! Se ficaria preocupada? SIM… Mas com a forma como poderiam ser tratados pela sociedade!
No seguimento deste assunto perguntei ao meu colega de trabalho e amigo João Costa se um dia gostaria de ter filhos com o seu namorado e quais seriam os seus maiores receios.
Ele respondeu:
“Estou longe de ser pai. Reconheço a vontade de o ser e, certamente, daqui a uns dez ou quinze anos este texto seria completamente diferente. Não estou preparado nem disposto a mudar drasticamente o meu estilo de vida para já. Como uma vez a humorista Catarina Matos brincou: o que seria ter de sair da pista do Lux mais cedo para trocar uma fralda ou dar um biberão? Um filho ou uma filha não se enquadra na pessoa que sou e na vida que levo hoje, mas isso não invalida que faça parte dos meus planos a longo-prazo ou que venha a fazer sentido mais tarde. Sem pensar no desafio económico que isso representa, há todo um obstáculo maior, para mim: o ódio. E não falo daquele que é remetido à minha pessoa.
Todas as palavras são, na sua essência, construção teóricas e sociais. Não me perguntem porquê, mas quando a Marta me pediu para escrever este artigo sobre a minha perspetiva da homoparentalidade, a minha mente viajou até às (pouquíssimas) aulas de Semiologia a que assisti na faculdade. Já esqueci quase tudo, mas uma ideia-chave guardei para sempre: as palavras têm o peso e a força que quisermos que elas tenham.
No que diz respeito à ideia de vir a ser pai é isso que mais comichão me faz: pensar no ódio que o meu filho ou filha teria de encarar à força, numa tenra idade. Por muito amor que tenhamos para dar, não há como evitar a maldade enraizada fora de casa. Não sou pai para falar disto com certezas mas, na condição de tio de duas meninas, admito que o meu maior medo é vê-las crescer nesse poço de ódio e preconceito. Assistir na primeira fila a esse processo todo que as vai tornar jovens e mulheres. Cabe-me a mim, enquanto influência no desenvolvimento delas, dar-lhes a conhecer a realidade em que vão viver e mostrar-lhes que a empatia bate tudo o resto. Bate a incompreensão alheia, bate o nojo e a homofobia que ainda tem lugar neste país.
Não me venham com o argumento do costume: que é liberdade de expressão, que é opinião, que são valores tradicionais. Não é. É preconceito. E podem mascará-lo e apelidá-lo do que bem entenderem que no centro de tudo não há nada senão ódio. Há uns tempos li o “Either Civilized or Phobic” do Abhijit Naskar e ressoou esta frase que agora faz todo o sentido: “ou se é homofóbico ou se é humano – é impossível ser-se os dois”.
Sermos autênticos e fiéis à nossa pessoa é muito mais importante do que enquadrarmo-nos caladinhos e quietinhos naquilo que a sociedade espera de nós. As minhas sobrinhas terão que perceber isso quando alguém lhes falar do tio paneleiro, do tio bicha. Elas terão que saber desconstruir essas palavras e perceber que não são algo negativo. Terão que encarar com naturalidade que o primo ou a prima tem dois pais, mesmo que a sociedade à volta delas não o compreenda.
Para mim, o sentido de uma família está assente no empenho e na promessa silenciosa que fazemos de estar lá, a aguentar o mau para que possamos aproveitar o bom. A força anímica da minha família vem do amor que nos cega e nos move. Ninguém tem o direito de limitar o conceito de família àquela que é a sua realidade.
A minha família hoje é a dois. Dois que bebem um copo de vinho quando lhes apetece, que saem da discoteca em plena luz do dia, que marcam uma viagem sem pensar duas vezes, que vivem tranquilos apenas na companhia um do outro. Talvez daqui a uns anos nos bata o instinto de trocar tudo isto por fraldas e babetes e a família passe a ser a três ou a quatro. Quiçá? O meu conceito de família é tão válido hoje como será o de amanhã e os valores que passarei a um eventual filho serão os mesmos pelos quais me tento guiar: respeito, tolerância, empatia e muito (mas mesmo muito) orgulho!”
Podem ficar a conhecer um pouco melhor o João e a sua história na entrevista ao programa #SÓQNÃO da RTP.
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